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O professor não é o dono do conhecimento, avisa Emílio do BláBláLogia

Em entrevista a Rede Camões de jornais escolares, o biólogo formado na Unesp e um dos fundadores do canal de divulgação científica BláBláLogia, com mais de 18 milhões de acesso, Emílio Garcia falou sobre ecologia, clonagem e educação pós-pandemia. Durante a conversa, ele enalteceu a criação da Rede Camões e fez voto para que práticas “filhas da pandemia” permaneçam após o isolamento social. “O jornal de vocês é filho da pandemia. E espero do fundo do coração que ele permaneça após a pandemia” disse Emílio. Confia a entrevista na íntegra:

REDE CAMÕES: Como a pandemia pode apontar a necessidade de mudança da educação através da tecnologia?

Emílio Garcia (BláBláLogia): Primeiro, muito obrigado pelo convite de vocês. Eu fico muito honrado de participar de projetos como o de vocês. Acho que esses projetos e a nova visão que a gente tem que trazer para a educação como algo muito mais orgânico do que ela é, da interação em sala de aula do professor achando que, o Antonio já é um professor diferente, me dá essa impressão,  o professor não é o dono do conhecimento. Conhecimento é algo compartilhado e eu me sinto honrado de estar conversando com vocês.

[…] o professor não é o dono do conhecimento. Conhecimento é algo compartilhado

Acho que a pandemia já veio para mudar um monte de coisas que já estavam em curso de mudança, se eu entendi bem a sua pergunta, a gente pode falar de várias coisas: de trabalho – a pandemia mudou o jeito que muita gente trabalha, então é uma coisa que a gente já discutia há anos por exemplo. Como a relação que temos no trabalho, principalmente, naqueles trabalhos que a gente consegue fazer pela internet, que nós fazemos com o computador, seria mudada a partir do momento que as pessoas podem trabalhar em casa, que as pessoas definem no que os pesquisadores definiram como Home Office. E aí o que aconteceu foi que as pandemia acelerou esse processo.

Você me fez uma pergunta em relação à educação e a escola, do mesmo jeito tinha uma discussão muito grande na academia em como os alunos poderiam ser educados pelo menos em parte em casa e que a gente poderia usar essas novas ferramentas de educação. Como a gente tá usando o Meet agora para fazer parte do processo educacional em casa. O que a pandemia fez foi trancar todo mundo em casa, então trancou aluno em casa e as aulas foram suspensas as escolas foram sendo fechadas e o problema que nós tivemos foi que nós professores e vocês alunos tivemos que aprender juntos a fazer esse negócio que era um movimento que estava acontecendo. Então a partir do momento que a educação saí da sala de aula, daquele lugar que nós estávamos acostumados e que vocês estavam sentados em carteiras e estavam aprendendo com a gente na lousa, na melhor das hipóteses que nós tínhamos de tecnologia era um data show, como que a gente ensina para um bando de gente que estão sentados nos seus quartos, sentados de frente aos computadores com um monte de outras influências, sentados com a internet e com a possibilidade de só abrir uma aba nova e assistir outra coisa que não fosse a aula e ter que reaprender a ensinar e ao mesmo tempo em que os alunos reaprendiam a aprender. Então um jeito diferente e isso é um processo, nós estamos passando por isso agora.

[…] o problema que nós tivemos foi que nós professores e vocês alunos tivemos que aprender juntos a fazer esse negócio que era um movimento que estava acontecendo

Tenho vários colegas professores que passam suas angústias nesse novo processo de aprendizado e a pandemia ela vai trazer várias lições ligadas a isso. Acho que tem coisas entrando agora que eu acho que não vai voltar mais, uma dessas coisas é o jornal de vocês. Talvez, o jornal de vocês seja um filho da pandemia no sentido de que talvez o Antonio estivesse até pensando em fazer isso, mas a pandemia com certeza acelerou esse processo. E eu espero do fundo do coração que esse jornal continue quando a pandemia acabar, por que ela vai acabar em algum momento, nós vamos ser vacinados em algum momento, e eu espero que esse tipo de boa coisa que surgiu na educação na pandemia continue depois, que possamos tirar certos aprendizados, aprendizado às vezes muito caro. Porém, espero que a gente consiga tirar aprendizados disso.

REDE CAMÕES: Eu sou o Pedro Leonardo, da Escola Januário Sylvio Pezzotti, sou do Jornal Clarice Lispector. Minha pergunta é: as pesquisas genéticas estão avançando cada vez mais, já tivemos algumas clonagens em cabras e outros animais. Você acha que estamos mais próximos de reviver animais e plantas extintas? Se sim, qual espécie você acha que está mais perto de ser ressuscitada?

Emílio Garcia (BláBláLogia): Muito obrigado pela pergunta Pedro. É uma pergunta bem biológica e eu adoro biologia, sou biólogo formado na Unesp em Rio Claro. É o processo de clonagem, é um processo que já tem mais de 20 anos. Então eu lembro muito claramente, quando eu entrei na faculdade que tinha a Ovelha Dolly. Era um lançamento da ciência. Só que o processo de clonagem evoluiu muito para microrganismos. Então, hoje, a clonagem é um processo muito comum quando a gente quer fazer bactérias que produzem remédios, bactérias que produzem substâncias que nós precisamos…

Ela se tornou cada vez mais comum quando falamos de agropecuária. Então quando você fala de bois que ganham muito peso, por exemplo, ou animais que tenham um valor comercial muito grande, hoje em dia, nós temos processos de clonagem que tem resultados muito promissores. Agora vamos para a outra parte da sua pergunta que acrescenta complexidade. Para isso acontecer nesses processos de clonagem precisamos ter um material genético, precisa ter um DNA bem preservado, precisamos ter boas amostras para fazer esse processo. Por isso para trabalhar com clonagem de gado é muito fácil dentro da tecnologia que nós temos, pois posso pegar uma amostra um tecido de um animal vivo e tirar as células com um material genético intacto e produzir cópias desse bicho. Quando vamos para animais já extintos, que é a sua pergunta, isso fica um pouco mais complexo, pois  preciso de amostras de DNA que tenham essa complexidade estrutural mantida para conseguir fazer esse processo de clonagem. É por isso que falar de clonagem, eu sei que não foi essa sua pergunta, mas só para explicar: clonagem de dinossauros igual nos filmes do Parques de Dinossauros é muito complicada. São animais que foram extinto há muito tempo, há sessenta milhões de anos atrás, e que esse material genético ele já não está mais acessível na sua integridade, quando existe algum material genético disponível.

Então, o que nós temos hoje de processos de reviver animais que foram extintos nos últimos dez mil anos, que no ponto de vista histórico é um tempo muito curto, é ontem no tempo da história. Então tem alguns projetos com Mamutes, por exemplo, por que nós temos algumas carcaças de mamutes congeladas e o frio preserva esse material. Atualmente, estão sendo clonados animais australianos, então o exemplo mais clássico é do Dingo, um animal que foi extinto nos últimos mil anos. Nós temos espécies muito bem preservadas desse bichos e conseguimos tirar o DNA e a partir daí usando bichos muito parecidos com eles, como por exemplo cachorros ou lobos, a gente consegue ter matrizes para conseguir colocar esse embrião dentro de uma fêmea e  cloná-lo. Um outro problema que a gente nunca imaginou, por exemplo com mamutes: para eu clonar um mamute eu preciso produzir um óvulo de mamute e conseguir colocar esse óvulo dentro de uma elefoa para conseguir fazer com que ela desenvolva esse embrião. E não temos grandes tecnologias para desenvolver esses bichos fora do corpo de outros animais, por isso, que precisaria de uma mãe elefante para clonar esse material do mamute, mas os processos mais avançados principalmente quando falamos de mamíferos e até de animais recentemente extintos, acontecem com esses animais australianos que foram extintos nos últimos anos e a estrutura do DNA está preservada.

REDE CAMÕES: Sou o Cristiano  Bueno Archangelo, do Jornal Darwin, e em 2019 tivemos as queimadas da Amazônia; em 2020 do Pantanal… E em 2021? Você espera que outro bioma brasileiro sofra queimadas em grande escala?

Emílio Garcia (BláBláLogia): É a sua pergunta é uma pergunta de conservação muito importante e a gente precisa contextualizar ela não só biologicamente mas historicamente os biomas Brasileiros vem sidos destruídos sistematicamente principalmente nos últimos dois séculos. É claro que a gente teve é a destruição de biomas antes, se você pegar por exemplo o litoral do Nordeste que foi um dos primeiros locais a serem invadidos pelos europeus, tiveram uma destruição sistemática de biomas. Só para você ter uma ideia, tem alguns textos que mostram em 1600 a preocupação do governo Português com a extinção do Pau Brasil.

Então, esse processo de destruição de biomas ele não é um processo de destruição atual, só que no último século, depois da revolução Industrial, nós sistematicamente, de uma maneira muito voraz, estamos destruindo os biomas brasileiros. Para você ter uma ideia, o Estado de São Paulo, que é o estado que nós estamos alguns trabalhos, mostram que ele era coberto por mais de 80% de vegetação nativa de mata atlântica com diferentes tipo de mata atlântica, no começo do século 20, então a 120 anos atrás, essa cobertura de vegetação caiu para 3 e 5%, dependendo da fórmula que a gente seguir.

[…] esse processo de destruição de biomas não é um processo de destruição atual, só que no último século, depois da revolução Industrial, nós sistematicamente, de uma maneira muito voraz, estamos destruindo os biomas brasileiros.

Sistematicamente estamos destruindo biomas, essa destruição de biomas acontece a partir de dois processos históricos: o primeiro é o crescimento das cidades e da urbanização. O segundo é o crescimento do aumento da produção agrícola. Então a gente tem expansão de fronteira agrícola, de busca de novas fronteiras para conseguir plantar mais ou aumentar produtividade, nos últimos vinte, trinta anos, três biomas principais têm sido atacados: um que ninguém fala muito que é o Cerrado, a expansão da soja no Centro-Oeste causou praticamente a extinção de várias áreas de Cerrado e por consequências de animais e plantas. Nos últimos cinco, dez anos, temos o ataque ao Pantanal e a Amazônia.

Eu não acredito que outro bioma vai ser destruído, por que a gente está destruindo sistematicamente todos os nossos biomas. É muito provável que a gente reveja no próximo ano um aumento das queimadas tanto do Pantanal quanto da Amazônia É importante a gente dizer que essas queimadas não são recentes, elas estão acontecendo nos últimos dez, quinze anos tanto de Pantanal, mas principalmente da Amazônia. O que nos assusta, pessoas preocupadas com o meio ambiente, é o desmonte de sistemas de prevenção dessas queimadas nos últimos dois anos. Então a partir de 2020, em 2019 até já tinha um pouco disso, mas em 2020 isso se agravou. Foi uma piora sistemática nos sistemas federais e estaduais que tentam evitar esse tipo de queimada. Ninguém consegue entender […] por que esses sistemas de proteção, que estão ligados ao Ministério do Meio Ambiente com função proteger o meio ambiente e percebemos uma retirada tanto de pessoal, quanto de dinheiro desses sistemas de apoio. E quando isso acontece, a quantidade de queimadas tende a aumentar, então, infelizmente, a perspectiva em relação a destruição dos nossos biomas ela é a pior possível para o ano que vem. É uma tendência muito grande de aumentar. E temos visto a criação de um discurso dizendo que essas queimadas são naturais sendo que os próprios dados ligados ao Ministério mostram que não são, e que elas estão diretamente ligadas à expansão principalmente de gado e de latifúndios. Tenta-se colocar muito a culpa em pequenos produtores e nos índios, mas não necessariamente isso seja verdade. E não acho que vai ter um novo bioma sendo queimado, nós não vamos, por exemplo, para a Caatinga que é um bioma incrível brasileiro, só que muito seco, vamos ter um avanço ainda maior para esse biomas como Pantanal e Amazônia. O que é um contrassenso, já que se investissem dinheiro em outras formas de exploração desses biomas, não derrubando, nem tacando fogo, conseguiríamos ter muito mais dinheiro no nosso país. Não faz sentido de nenhuma forma como tratamos nossos biomas assim, certo?

Queimadas no Pantanal (Foto: Agência Brasil)

REDE CAMÕES: Sou o Lukas Emanuell da Escola Zita de Godoy Camargo e do Jornal do Camões minha pergunta é: O que você diria aos alunos que gostariam de se formar em biologia nas escolas públicas?

Emílio Garcia (BláBláLogia): Diria que eu sou de escola pública, me formei em um colégio técnico antes de entrar na faculdade aqui em Campinas. O que eu diria para você: é como qualquer profissão: fica melhor para você, se você for apaixonado por ela. Então ser pesquisador ou ser biólogo no Brasil hoje não é algo simples, mas se você gosta da área da Biologia é algo extremamente recompensador. Então, o que eu diria é “eu quero ser Biólogo”, eu acho que você tem que se preparar para fazer uma boa faculdade de Biologia e ser um excelente profissional. Cada vez mais, as questões ambientais estão pautando o que está acontecendo no mundo, então precisamos entender isso e é fundamental.

Vocês, jovens, por que eu me considero um idoso de 40 anos, tem que começar a entender que tudo do futuro está ligado a nossa preocupação com o meio ambiente, então a gente está passando por um período de mudança climática, o mundo está esquentando, os regimes de chuva estão mudando, os biomas estão sendo afetados e todos esses problemas vão voltar e afetar a humanidade. O papel do biólogo vai ficar cada vez mais importante.

Então, a pessoa que quer fazer biologia hoje se ela for uma boa profissional, ela está se preparando para ser um dos profissionais do futuro, um dos profissionais que vão ter um encaixe muito importante no mercado de trabalho. Por exemplo, cada vez mais as exigências de questões ambientais vão ficar maiores e eu posso de dar alguns exemplos simples: as empresas Europeias hoje para comprar qualquer coisa de um empresa brasileira exigem que essas empresas brasileiras tenham uma preocupação ambiental e comprovem isso documentalmente. Existem vários colegas meus, biólogos, que estão enveredando por essa área de informação e que estão se formando nisso.

Vamos falar da pandemia, hoje as empresas de tecnologia que desenvolveram as vacinas têm equipes gigantescas de biólogos trabalhando lá todos os dias, inclusive não são médicos que trabalham nessas áreas, são farmacêuticos, são químicos, são biólogos, bioquímicos, são biomédicos… Os médicos não trabalham em geral com esse tipo de pesquisa, tem médico que faz esse tipo de pesquisa, mas é a minoria. A minha recomendação é que a biologia é um profissão extremamente promissora. Quando o Cristiano me mandou a mensagem e me convidou da primeira vez, ele falou assim: Emilio queria te convidar para participar do nosso Jornal e eu falei assim “me explica isso”, e ele falou assim: sou de uma escola estadual e existem excelentes profissionais em escolas estaduais.

Temos que usar esse estudo para conseguir fazer aquilo que a gente acha importante para gente e para o mundo que a gente vive. Quando você se dedica estudando e fazendo um pouco mais do que os seus professores exigem, estando aqui no jornal numa terça-feira a tarde para a gente bater um papo sobre biologia e sobre o que está acontecendo no mundo, assistindo vídeos do Cortella para entender como o mundo funciona. Então ser de escola estadual, como eu fui, não é um problema e nem foi para a minha formação de biólogo. Muitos colegas que eu tenho são de escolas estaduais e que conseguiram fazer projetos incríveis na vida.

Temos que usar esse estudo para conseguir fazer aquilo que a gente acha importante para gente e para o mundo que a gente vive.

Conheça o canal BláBláLogia:

Infelizmente, durante a confecção desta reportagem o canal BláBláLogia foi hakeado. Seguem os links de outras plataformas:

https://m.twitch.tv/blablalogia_ttv

https://youtube.com/channel/UC_DVd5tOxs9ofxS1toXMKYQ

Assista a entrevista:

Escute esse episódio do Conversas Sábias:

#19 – Entrevista com Antonio Archangelo Jornal do Camões

  1. #19 – Entrevista com Antonio Archangelo
  2. #18 – Relatos discentes sobre o Método Camões
  3. #17: Entrevista com Rafael Cristofoletti Girro, editor-chefe da Revista do Camões
  4. #16: Reportagem sobre drogas nas escolas
  5. #15: Escola Heloisa Lemenhe Marasca, celeiro do esporte

Texto de Cristiano Bueno Archangelo (9ºA), Escola Estadual Heloisa Lemenhe Marasca, Rio Claro/SP.

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